segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

As alegrias... e a falta delas

"As virtudes humanas muitas vezes se compõem de melancolia, e de um retiro agreste. A maioria das vezes é humor o que julgamos razão; é temperamento o que chamamos desengano; e é enfermidade o que nos parece virtude.
Tudo são efeitos da tristeza; esta obriga-nos a seguir os partidos mais violentos, e mais duros; raras vezes nos faz reflectir sobre o passado, quase sempre nos ocupa em considerar futuros; por isso nos infunde temor, e covardia, na incerteza de acontecimentos felizes, ou infaustos; e verdadeiramente a alegria nos governa em forma, que seguimos como por força os movimentos dela; e do mesmo modo os da tristeza. Um ânimo alegre disfarça mal o riso, um coração triste encobre mal o seu desgosto: como há-de chorar quem está contente? E como há-de rir quem está triste? Se alguma vez se chora donde só se deve rir, ou se ri por aquilo por que se deve chorar, a alma então penetrada de dor, ou de prazer, desmente aquele exterior fingido, e falso. Só a vaidade sabe transformar o gosto em dor, e esta em prazer, a alegria em tristeza, e esta em contentamento; por isso as feridas não se sentem, antes lisonjeiam, quando foram alcançadas no ardor de uma peleja, esclarecida pelas circunstâncias da vitória; as cicatrizes por mais que causem deformidade enorme, não entristecem, antes alegram, porque servem de prova, e instrumento visível, por onde a cada instante, e sem palavras, o valor se justifica; são como uma prova muda, que todos entendem, e que todos vêem com admiração, e com respeito."
[Matias Aires, in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens']

Nenhum comentário:

Postar um comentário