[Cachoeira]
"É comum pensarmos que é difícil "ser-se feliz" e existem boas razões para assim pensar; mas seria mais fácil sermos felizes se, nos homens, as reflexões e a pauta de comportamento precedessem as ações. Somos arrastados pelas circunstâncias e entregamo-nos às esperanças, que nos proporcionam apenas metade do que esperamos. Enfim, só nos damos claramente conta dos meios para sermos felizes quando a idade e os entraves que a nós próprios pusemos lhes colocam obstáculos. Para sermos felizes, é preciso termo-nos desembaraçado dos preconceitos, sermos virtuosos, gozarmos de boa saúde, termos gostos e paixões, sermos susceptíveis de ter ilusões, pois devemos a maior parte dos nossos prazeres "à ilusão", e infeliz daquele que a perder. Longe, pois, de procurarmos fazê-la desaparecer sob o archote da razão, tratemos de passar mais uma camada do verniz que a ilusão lança sobre a maior parte dos objectos; este é-lhe ainda mais necessário do que os cuidados e os adornos o são para os nossos corpos. "É preciso começarmos por dizer a nós próprios e por convencer-nos de que não temos nada mais a fazer neste mundo, para além de nele procurarmos sensações e sentimentos agradáveis." Os moralistas que dizem aos homens "reprimi as vossas paixões e dominai os vossos desejos, se desejais ser felizes" não conhecem o caminho para a felicidade. Só somos felizes mediante gostos e paixões satisfatórias; digo gostos porque não somos sempre felizes o bastante por termos paixões e porque, à falta das paixões, não resta, senão, contentarmo-nos com os gostos..."
["Madame du Chatelêt, in 'Discurso sobre a Felicidade²']
[Franz Caffé]
"Procuremos manter-nos de boa saúde, não ter quaisquer preconceitos, ter paixões, e pô-las ao serviço da "nossa felicidade", substituir as nossas paixões por gostos, conservar preciosamente as nossas ilusões, ser virtuosos, nunca nos arrependermos, afastar de nós as idéias tristes e nunca permitir ao nosso coração conservar uma centelha de gosto por alguém que nos diminua e que deixe de amar-nos. Por pouco que envelheçamos, um dia seremos forçados a abrir mão do amor, e esse dia deve ser aquele em que o amor já não nos faça mais felizes. Pensemos, enfim, em cultivar o gosto pelos estudos, esse gosto que faz depender a felicidade apenas "de nós próprios". Ponhamo-nos ao abrigo da ambição e, sobretudo, cuidemos bem de saber o que queremos ser; decidamo-nos sobre o caminho que queremos seguir para passar a nossa vida e procuremos, sempre, semeá-lo de flores. Muitas flores!"
[Madame du Chatelêt, in 'Discurso sobre a Felicidade³' ]
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