A imaginação só vive da vida dos outros seres: precisa pousar sobre as coisas externas e tirar-lhes, como a abelha tira o mel às flores, a quantidade de sonho que as coisas contêm. A imaginação, na cidade, é a perpétua repelida. A imaginação, no campo, na margem dum rio, entre uma floresta, toma um livre caminho, encontra alimento, vive, tem quem a escute, tem confidentes, tem companhia, pasta livremente, devagar, olhando, cismando...
Apertada nas ruas duma cidade de casas estreitas e chatas... Esvoaça, como um pássaro dentro duma casa fechada, batendo as asas de encontro às paredes caiadas. E assim, a imaginação, batendo de encontro a tudo o que faz a vida social, perturba a quietação das coisas sérias: arremessa-se então para a política, e produz os revolucionários, as mudanças de estado, a guilhotina; lança-se na vida moral e produz a orgia, as lorettes, o luxo, as roletas; e quando se concentra sobre si mesma, quando se escava a si própria, acontece-lhe o que acontece a todas as funções que se isolam, que se impropriam: vê falso, sente falso, produz falso!
Eça de Queirós, in 'O Egito'
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