quarta-feira, 30 de março de 2011

Líricos e épicos

Os homens que têm a mania pelas mulheres dividem-se facilmente em duas categorias. Uns procuram em todas as mulheres a ideia que eles próprios têm da mulher "tal como ela lhe aparece em sonhos", o que é algo de subjetivo e sempre igual. Aos outros, move-os o desejo de se apoderarem da infinita diversidade do mundo feminino objetivo. 

A obsessão dos primeiros é uma obsessão lírica; o que procuram nas mulheres não é senão "eles próprios", não é senão "o seu próprio ideal", mas, ao fim e ao cabo, apanham sempre uma grande desilusão, porque, como sabemos, o ideal é precisamente o que nunca se encontra. Como a desilusão que os faz andar de mulher em mulher dá, ao mesmo tempo, uma espécie de desculpa melodramática à sua inconstância, não poucos corações sensíveis acham comovente a sua perseverante poligamia. 


A outra obsessão é uma obsessão épica e as mulheres não vêem nela nada de comovente: como o homem não projeta nas mulheres um sonho, um ideal subjetivo, tudo tem interesse e nada pode desiludi-lo. E esta impossibilidade de desilusão encerra em si algo de escandaloso. Aos olhos do mundo, a obsessão do femeeiro épico não tem remissão (porque não é resgatada pela desilusão).

 
Como o femeeiro lírico gosta sempre do mesmo tipo de mulheres, quase nem se repara quando tem uma amante nova; os amigos causam-lhe sérios embaraços porque nunca vêem que a sua companheira já não é a mesma e tratam as suas amantes sempre pelo mesmo nome. 

Milan Kundera, in "A insustentável leveza do ser"

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