Escrevo com uma grande quantidade de elementos invisíveis, que chegam à pele e a atravessam. É dessa forma que sinto aquilo que tenho para dizer, na pele e para lá da pele. Talvez seja preferível que a imensidão deste momento não os perturbe, que se mantenha onde está, invisível e tão concreto nas cores da paisagem, nomeada por estas palavras que não a dizem e que, no entanto, existem, impressas, pouco ecológicas e, ainda assim, feitas de uma natureza única, que nasce da terra, que se estende no céu, sol, lua, oceano, montanhas, que determina o dia e a noite, a passagem das estações, a idade, e que está contida numa só palavra, num só verbo, que abrigo no meu rosto, que é transparente no meu olhar e que agora, aqui, nas páginas deste livro, preciso dizer. Talvez não seja próprio dizê-lo aqui, mas talvez seja ainda menos próprio escrevê-lo em todas as paredes da cidade, esculpir precipícios com essa verdade ou rasgar o peito com uma faca e, com a ponta dessa mesma faca, gravá-lo dentro de mim, em sulcos profundos, como o tamanho deste agora.
José Luís Peixoto, in 'Abraço'
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