Aconteceu em 1953, em ensaio sobre Tolstói. Título? “O Ouriço e a Raposa”. E Berlin, socorrendo-se de um aforismo do poeta grego Arquiloco, relembrava: “A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante”.
Um jogo de palavras? Mais que isso. Para Berlin, “ouriços” e “raposas” representam dois tipos de personalidade distintos que é possível encontrar na história intelectual do Ocidente -e, naturalmente, nas nossas vidas anônimas e privadas.
Os “ouriços” surgem movidos por uma idéia central, procurando explicar a diversidade do mundo por referência a um único sistema monista. Platão era um “ouriço”. Dostoiévski também. Marx idem. As “raposas”, pelo contrário, entendem que a diversidade do mundo não autoriza um único sistema explicativo; são pluralistas porque sabem que os fins são vários e nem sempre compatíveis entre si. Montaigne, Shakespeare ou Joyce eram “raposas” por excelência. E Tolstói? O drama de Tolstói era ser naturalmente uma “raposa”, embora desejando ser um “ouriço”.
A divisão acabou por entrar na imaginação popular, e até Woody Allen, em “Maridos e Esposas”, filmou Judy Davis em momento de intimidade, mas incapaz de atingir o orgasmo porque demasiado preocupada em separar, mentalmente, os seus amigos em “ouriços” e “raposas”. Infelizmente, esse mundo não passa de uma ilusão. E a liberdade total dos lobos significa apenas a morte dos carneiros.
O que resta, então?
Para Berlin, resta a certeza de que é necessário escolher: uma escolha nem sempre fácil e onde a perda é real. Exatamente como nas nossas vidas anônimas e privadas, onde não é possível ter tudo. Não por sermos fracos, ignorantes ou confusos. Mas porque essa é a natureza dos valores: abraçar uns é excluir outros.
João Pereira Coutinho
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