"Creio que já falei disto. Mas de que diabo é que já não se falou? Se não falamos nós, falaram os outros, que também são gente. E no entanto, cada vez mais "se fala pela primeira vez", porque o que importa não é o que se sabe mas o que 'se vê'... E ver, é ver sempre de outra maneira para aquele que vê. Quantas vezes se falou da morte e da vida e do amor e de mil outras coisas sisudas? Mas volta-se sempre à mesma, porque o saber pela evidência é saber pela primeira vez; e uma dor que nos dói ou uma alegria que nos alegra não doeu nem alegrou senão a nós... De modo que de novo me intriga a extraordinária "desproporção" entre o complexo de uma vida e a coisa chilra que dela resulta... Mesmo os grandes homens, que são maiores do que nós, o que é que nos deixaram em testamento? Um livro, uma ideia, uma fórmula... E os que nada nos deixaram? Mas uma vida só é fantástica pelo que NELA aconteceu. Há assim um desperdício extraordinário, uma pura perda do que se amealhou. Relações, sentimentos, projetos, ações correntes que foram desencadear mil efeitos maus... ou úteis. E tudo se perdeu. Ninguém vem tomar conta do que numa vida toda aconteceu. Podemos pensar que os efeitos permanecem ou se justapõem na vida que ficou. Mas isso, mesmo que houvesse, seria uma realidade anônima e mergulhada finalmente no silêncio, como a de um vento que passou... A Natureza é assim, perdulária, e só de fato o sabemos quando nos fixamos no centro de nós e damos o balanço da infinidade de realidades que em nós se efetivaram. Viver é assim, desenvolver-se numa vida o vazio ignorado do universo que existe e se transforma e se aniquila na "inutilidade do ser"... Viver é estabelecer o confronto entre um máximo e um mínimo, entre o ser e o não-ser.
E no resultado do confronto o que aparece é o falado absurdo. Mas o absurdo é ainda um nome e o resultado efetivo não tem nome. Porque nada há para nomear. "
[Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 4']
Dedicado à polêmica desnecessária e todas as grosserias gratuitas ao post do incrível Desculpe a poeira, do jornalista Ricardo Lombardi. Gente, se comer demais, não digite! não opine, não navegue, não comente, não desconte no computador, não provoque o caos, rs!
Bonjour Ricardo!!!
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