terça-feira, 21 de agosto de 2012

O último dia do tempo



O último dia do ano não é o último dia do tempo. Outros dias virão e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida. Beijarás bocas, rasgarás papéis, farás viagens e tantas celebrações de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral, que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor, os irreparáveis uivos do lobo, na solidão. O último dia do tempo não é o último dia de tudo. Fica sempre uma franja de vida onde se sentam dois homens. Um homem e seu contrário, uma mulher e seu pé, um corpo e sua memória, um olhar e seu brilho, uma voz e seu eco, e quem sabe até Deus… Recebe com simplicidade este presente do acaso. Merecestes viver mais um ano. Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos. Teu pai morreu, teu avô também. Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras expreitam a morte, mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo, e de copo na mão esperas amanhecer. O recurso de se embriagar. O recurso da dança e do grito, o recurso da bola colorida, o recurso de Kant e da poesia, todos eles… 


Carlos Drummond de Andrade

Bonjour!

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