segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Pão com planta

Fui comer pão com manteiga. Não era exatamente manteiga, era margarina vegetal. Embora mais fiel à realidade, acho que ficava menos bem ter escrito “fui comer pão com margarina vegetal”. Normalmente, na minha casa, chamávamos-lhe, ainda chamamos, o nome da marca. Assim, quando esse ato teve lugar, eu teria dito “vou comer pão com planta”. O pão estava guardado na caixa do pão, dentro do armário, na porta por baixo da televisão, sobre uma prateleira forrada com papel de embrulho em tons de cor-de-laranja, com um padrão de quadrados arredondados, algo aproximado de uma estética dos anos setenta. 
Por preguiça, nesses anos, eu raramente (nunca) cortava fatias de pão com a faca. Abria a porta do armário, abria a caixa do pão, segurava o pão e, com os dedos, arrancava um pedaço que, posteriormente, barrava com margarina vegetal, planta. Eu tirava sempre um pouco de côdea, gostava e gosto muito de côdea, mas o pão ficava com formas inusitadas que desagradavam à minha mãe. Não sei bem qual a razão etimológica, mas nessa altura, eu não dizia “um pedaço de pão”, não dizia sequer “um naco de pão”, dizia “um fanaco de pão”. 
Dessa forma, se tivesse encontrado a minha irmã no quintal, acho que era Primavera, acho que era de tarde, teria dito “vou comer um fanaco de pão com planta”. E foi mesmo isso que fiz. Já não me recordo do momento exato em que mastiguei esse pão específico, mas recordo-me de outras vezes e sei, mesmo bem, que sempre foi um prazer imenso estar cheio de (esganado com) fome e comer um pedaço (fanaco) de pão cheio de margarina vegetal (planta) mal espalhada.

José Luís Peixoto / Celine

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