sábado, 20 de fevereiro de 2010

Vapor múltiplo

"Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um Eu que não sei se existe (se é esses outros). Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma, a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única realidade que não está em nenhuma e está em todas..."
[Fernando Pessoa¹]
"Se alguma coisa há que esta vida tem para nós, e que tenhamos que agradecer aos Deuses, é o dom de nos desconhecermos: de nos desconhecermos a nós mesmos e de nos desconhecermos uns aos outros. A alma humana é um abismo obscuro e viscoso, um poço que não se usa na superfície do mundo... Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se conhecesse, e assim, não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual, morreríamos na alma de anemia... Ninguém conhece o outro, e ainda bem que não o conhece, e, se o conhecesse, conheceria nele, o íntimo, este metafísico inimigo..."
[Fernando Pessoa²]

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