sábado, 25 de julho de 2009

Polêmicas caninas

"A consciência anda pra lá, anda pra cá, olha de um lado, olha de outro, para cima e para baixo, como um cãozinho faminto e perdido atrás do seu petisco. Todos brincam com o seu faro, fazendo o bichinho de tonto. As retóricas iluministas comportadas e as diatribes "pós-modernas" assobiam e ela corre atrás latindo; as tabelas de verdade e as lógicas sisudas e o-não-sei-o-quê fazem-no abanar o rabo, confiante e pernóstico; já os discursos metafísicos e religiosos fazem-no sentar e fingir de morto, porém, seguro e tranquilo com o Absoluto. Em suma, filosofia é artigo de petshop."
[Paulo Jonas de Lima Piva/O pensador da aldeia]
[Freud and friends]
"Ao Ruffos, por me levar a passear É por isso que Diógenes é das pulgas a maior delas. De fato, pensa-se melhor com um cão. Livros se arremedam, discussões e diálogos se repetem e rodopiam sobre o mesmo ponto e tom, palavras demais asfixiam. E Cães não lêem, não interpretam, não observam, tampouco teorizam ou buscam essências ou fundamentos metafísicos.
Transparentes, cães latem e pulam de alegria, mordem de raiva ou desconfiança. São espontâneos, não são atormentados por orgulho, por regras gregárias nem por fantasmagorias psicológicas. Cães não raciocinam em vão, portanto, não buscam no absurdo coerência, não projetam no vazio e na gratuidade sentidos e assombrações. Cães coçam, 'sujam' tudo sem nenhum pudor ou cerimônia. Contentam-se com um pouco de comida e um jornal para não sonharem em cima. Se castrados, expelir não lhes faz falta. Cães enxergam longe, pois farejam. Possuem, portanto, a consciência no focinho, são dotados da alma mais privilegiada. Eles conhecem as pessoas e o mundo pelo cheiro. Sentem que quase tudo fede. Mesmo assim não se angustiam. Acostumados às misturas de odores, sem estabelecer valores, existem. Amorais, lúcidos, rudes e simples, não apelam para mistificações. São agnósticos, não ateus, pois não sofrem com certas inquietações. Pragmáticos, buscam alguém para compartilhar "o ridículo de estar vivo" (Emil Cioran). Quando acham, não impõem regras, não tolhem liberdades. São, a propósito, os mais perfeitos companheiros de absurdo."
[Paulo Jonas de Lima Piva/O pensador da aldeia]
[Alberto Moravia e o belo Arancio]
*
Nota: Paulo Jonas de Lima Piva é autor dos livros "O ateu virtuoso: materialismo e moral em Diderot" (Discurso Editorial, 2003) e "Ateísmo e revolta: os manuscritos do padre Jean Meslier" (Alameda Editorial, 2006). Também é co-autor de "Ensaios sobre o ceticismo" (Alameda Editorial, 2007). Além disso, é bacharel, mestre e doutor em filosofia pela USP, pós-doutor pela FAPESP e fez um estágio doutoral na Universidade de Paris I -Sorbonne, França.

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