Estes meses não vão deixar que falte sol. Junho e julho são uma espécie de irmãos gémeos. As pessoas confundem-nos muitas vezes: disseste junho ou julho? Nesta época, há pessoas que chegam com um mês de antecedência. Chegam a correr, a perguntar se estão atrasados e toda a gente fica a olhar para eles, sem perceber qual é a pressa. Estavam convencidos de que qualquer coisa era em junho mas, afinal, só irá ser em julho. Há pequenas diferenças: o "n" e o "l", um tem trinta dias ou outro tem trinta e um. Há grandes semelhanças: as cores são as mesmas, os dias amanhecem com a mesma promessa.
Tiro a roupa da máquina. Se o mundo tivesse começado neste preciso momento, ninguém seria capaz de imaginar que, há poucos minutos, esta mesma roupa girava com toda a velocidade no interior da máquina. Agora, há apenas a serenidade. Com elegância, a roupa sai da máquina como uma senhora do século XIX que estende a mão para que a auxiliem a descer. Agora, há este tempo.
Caminho para a janela. Esta hora cheira a detergente. É fresco, não pesa, é o perfume certo para acarinhar lembranças de ternura, traz-me imagens da minha infância, eu pequeno, com pernas e braços pequenos, a passar entre roupa acabada de lavar, a minha mãe tão nova. Abro a janela e abro o mundo inteiro diante de mim, este dia em todo o seu tamanho.
(...) Os vizinhos dos andares de baixo também têm roupa a secar. As roupas, minhas e dos vizinhos, aproveitam esta largueza. Recebem sol e absorvem-no. Passam tanto tempo bem-comportadas, a fazer aquilo que se espera delas e, no estendal, têm uma liberdade inesperada. São, por momentos, roupas sem corpo, longe dos armários e das gavetas, longe das dobras e do medo de se enxovalharem. Os lençóis, solenes, são bandeiras destes meses, aceitam a tarefa de reflectir o sol o mais longe que podem.
Em cada janela onde há roupas estendidas, houve alguém que as tirou da máquina e que atravessou este momento. Depois, essa pessoa irá fazer outras coisas, estar noutros lugares, mas não se esquecerá da roupa que deixou a secar. Há sempre alguém a pensar nas roupas estendidas em cada janela, passará mais tarde para ver se já está enxuta.
Sem querer, deixo cair uma meia. Foge-me da ponta dos dedos. Vejo-a cair, bate na roupa estendida dos vizinhos de baixo, mas não para, continua a cair. O seu movimento é irreversível e demora o suficiente para que eu imagine várias coisas: umas boas e outras más. Por fim, chega ao chão. Fica estendida no passeio, imóvel, invertebrada. Olho-a durante um instante triste e, logo a seguir, corro na direcção da porta, carrego no zero do elevador. Nessa urgência, enquanto vou buscá-la, salvá-la, quase acredito que a roupa também tem alma.
Só quando chego ao rés-do-chão reparo que estou nu, de chinelos e sem chave de casa.