"O homem encontra-se abandonado, porque não encontra em si, nem fora de si, em que agarrar-se. Estamos sózinhos, sem desculpa. É o que exprimirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Temos de tomar as coisas como elas são. Aliás, dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que compete dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido que tivermos escolhido..."
"Não me preocupa tanto qual eu seja para outrem como me preocupa qual eu seja em mim mesmo. Quero ser imenso por mim, não por empréstimo. Os estranhos vêem apenas os acontecimentos e as aparências externas; cada qual pode ter um ar alegre exteriormente, e, por dentro, estar cheio de febre e receio. Eles não vêem o meu coração; vêem apenas o meu comportamento. Eis como todos esses juízos que se fazem sobre as aparências externas são enormemente incertos e duvidosos; e não há outra testemunha tão fiel quanto cada qual sobre si mesmo."
"A dificuldade de estabelecer e firmar relações. Ser sociável exige um esforço enorme — físico. Quem se habituou, já não se cansa. Tudo se passa à superfície do esforço. Ter «personalidade»: não descer um milímetro no trato, mesmo quando, por delicadeza, se finge. Assumirmos a importância de nós, sem o mostrar. Darmo-nos valor, sem o exibir. Irresistivelmente, agacho-me... E logo: a pata dos outros em cima. Bem feito. Pois se me pus a jeito..."
"o que se desenha a partir daqui? o quão redondo é o som de uma porta que se abre? que cadência e ritmo tem o cheiro do capim cortado? o que é velocidade? ter mãos é para ver; e pés, é para sentir o chão? ter ouvidos para saber do gosto salgado do mar na concha da mão? silêncio de escutamento..."
"A palavra engana. A palavra manda embora e o corpo pede um abraço. Há de se procurar o gesto. O que me interessa é o gesto, o resto da palavra. A origem. Se aquilo foi feito para permanecer mais perto..."
"Devemos em primeiro lugar aprender a ouvir um motivo, de uma maneira geral, a percebê-lo, a distingui-lo, a limitá-lo e isolá-lo na sua vida própria; devemos em seguida fazer um esforço de boa vontade — para o suportar, mau-grado a sua novidade — para admitir o seu aspecto, a sua expressão fisionômica — e de caridade — para tolerar a sua estranheza! Chega, enfim, o momento em que já estamos afeitos, em que o esperamos, em que pressentimos que nos faltaria, se acaso não viesse... A nossa boa vontade, a nossa paciência, a nossa equanimidade, a nossa suavidade com as coisas que nos são novas, acabam sempre por ser pagas, porque as coisas, pouco a pouco, se despojam para nós do seu véu e apresentam-se a nossos olhos com indizíveis belezas... é o agradecimento da nossa hospitalidade. Quem se ama a si próprio aprende a fazê-lo seguindo um caminho idêntico: e existe apenas esse..."
["É preciso aprender a amar!- Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"]
"Os homens distinguem-se por aquilo que mostram e assemelham-se por aquilo que escondem..." [Paul Valéry] Bonjour!
"Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao 'deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós'; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é o que o modo afilosófico de falar denomina 'vontade forte': o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — 'tem que se reagir', seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos, esse 'ter que', já é uma doença, decadência, sintoma de esgotamento, — e quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver, em geral, chegará lento, desconfiado, teimoso... Ao estranho, ao novo de qualquer espécie, deixará aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o fato pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas mais, em suma, a famosa 'objetividade moderna' é de mau gosto e não-aristocrática par excellence... "
Nós combatemos nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com 10 centímetros de espessura... Aproximamo-nos de peito aberto, na ponta dos 10 dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos, sim, tudo ao contrário... Com os outros, também, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma ilusão sem qualquer percepção, uma espantosa farsa de incompreensão. Estaremos todos tão mal preparados para conseguirmos ver as ações intímas e os objetivos secretos de cada um de nós? Será que devemos todos fecharmo-nos e mantermo-nos enclausurados como fazem os escritores solitários, numa cela sem som, evocando as pessoas através das palavras e, depois, afirmar que essas evocações estão mais próximas da realidade do que as pessoas reais que destroçamos com a nossa ignorância, dia após dia? Mantém-se o fato de que o compreender as pessoas não tem nada a ver com a vida. Não as compreender é que é viver... não compreender as pessoas, não as compreender, não as compreender, e depois de muito repensar, não as compreender... É assim que sabemos que estamos vivos: não compreendemos..."
[Philip Roth]
Is a dream a lie if it don't come true
Or is it something worse?
"No meu tempo, ser educado era ficar em silêncio. Na mesa, não podia emitir som que não fosse da natureza do garfo e da faca. Criança aceitava, não falava. Como um bicho doméstico, um galo, um cachorro, um gato, um canário belga. Encabulava quando raspava a louça, arranhava as rodas ao estacionar no meio-fio do prato. Meu pai falava sem parar dos negócios, dos vizinhos, do futebol e eu escutava com continência e louvor. Nunca me passou pelos ouvidos nenhuma pergunta inteligente para fazer, até porque as perguntas inteligentes surgem das bobagens e não corria riscos. Se as conversas tivessem sido gravadas na época, descobriria que não apareci na própria infância. Entrava com um "obrigado" e saía no "com licença". Não questionava os hábitos, preocupado em me ver livre o mais rápido possível daquela cena. Não sabia como viver para me sentir morto. Não sabia como morrer para me sentir vivo. Meus bolsos cheios de bolas de gude para acompanhar as mãos. Os bolsos do meu pai cheios de chaves para desafiar as mãos. Os bolsos de minha mãe cheios de pedras do terço para esquecer as mãos. A sobremesa era sagu ou arroz de leite, que comia com vagar e ódio, já que consistia na mesma merenda da escola. Me censurava antes da censura, me proibia antes da negação, me cavava antes de ser enterrado. Pensativo como quem se penteia no espelho. Prestativo como quem tem culpa por crescer. Nunca levantei a voz. Falava para dentro, com a cabeça inclinada de cavalo cansado. Tinha serenidade porque não encontrava outro sentimento para colocar em seu lugar. Não havia estômago para chegar ao fim da esperança. Não estava escuro para me defender com vela, muito menos claro para procurar sombras. Conhecia de cor o ato de contrição, apesar da dificuldade de inventar pecados. A humildade lembrava covardia, o que explica minha vontade insana de fazer calar esse tempo, o meu tempo de camisa fechada até o último botão."
"Dar um tempo é igual a praguejar "desapareça da minha frente". É despejar, escorraçar, dispensar. Não há delicadeza. Aspira ao cinismo. É um jeito educado de faltar com a educação. Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes. Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance. Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou. E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo. Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não estava vivo para dar tempo. Deveria dar distância, tempo não. Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo. Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou de seu vôo. Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola. Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes. Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo. Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo. Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança. Dar um tempo é tirar o tempo. Dar um tempo é fingido. Melhor a clareza do que os modos. Dar um tempo é covardia, para quem não tem coragem de se despedir. Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus. Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói...
Dar um tempo é roubar o tempo que foi. Convencionou-se como forma de sair da relação limpo, de banho lavado, sem sinais de violência... Ora, não há maior violência do que dar o tempo. É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos. É compatível em maldade com "quero continuar sendo teu amigo". O que se adia não será cumprido depois..."
[Fabrício Carpinejar, in "O amor esquece de começar"]
"Inteligência e espírito não passam de instrumentos e brinquedos. Habita no teu corpo. Há mais razão no teu corpo do que na própria essência da tua sabedoria. E quem sabe por que o teu corpo necessita da essência da tua sabedoria?"
[Friedrich Nietzsche, in 'Zaratustra']
"A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. O mal não é que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência, fazendo dela um mero estímulo para os momentos cansados da sua existência..."