terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Suave à memória...

Marilyn and Arthur Miller

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
                E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque mesmo se os tivesse 
O rio sempre correria e sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,
Mas que vale mais estarmos sentados ao pé um do outro
                Ouvindo correr o rio e vendo-o...
Colhamos flores, 
pega tu nelas e deixa- as no colo, 
e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
                Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
                Nem fomos mais do que crianças.
E se, antes do que eu, levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
                Pagã triste e com flores no regaço.

Odes de Ricardo Reis / 12-6-1914

Bonjour!

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