quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O amor atravessado por um dardo

... Estremece o homem até à base.
Cantar o nosso próprio dardo atirado. Isso é o nome do amor que é o nome do canto. Canto na solidão. Ter as mãos como o nevoeiro a arder. Vivo cantando as mulheres incendiárias e a imensa solidão verídica, como um copo. Porque um copo canta na minha boca. Canta a bebida em mim. Mergulhem a voz na minha treva como uma garganta. Porque eu tanto desejaria acordar dentro da vossa voz na minha boca. Queimais as vossas noites em honra do meu amor. O amor é forte. Porque a loucura canta minada de portas. Nós saímos pelas portas, nós entramos para o interior da loucura. As cadeiras cantam os que estão sentados. Cantam, os espelhos, a mocidade adjetiva dos que se olham. Estou inquieto e cego. Canto. A morte canta-me ao fundo. É um canto absoluto. Ser tocado pelas vozes como ser ferido pelos dedos, pelos rudes cravos da planície. Ser acordado, acordado. Porque cantar é um subterrâneo. Depois é um pátio. Imagino que as vozes são escadas. Vozes para atingir o canto. O canto é o meu corpo purificado. A morte - diz o canto - é o amor enorme. É enorme estar cego. Canta o meu grande corpo cego... 


[Herberto Helder, in "Poemacto I"- 1961]

Bonjour!

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