quarta-feira, 6 de julho de 2011

Gentinha

Não me preocupa tanto qual eu seja para outrem como me preocupa "qual eu seja em mim mesmo". Quero ser rico por mim, não por empréstimos. Os estranhos vêem apenas os acontecimentos e as aparências externas; eles não vêem o meu coração, vêem apenas o comportamento, tendo o ânimo e o próprio íntimo repleto de frouxidão... Se alguém pudesse usar o anel de Platão, que tornava invisível quem o levasse no dedo e o virasse para a palma da mão, muitas pessoas se esconderiam quando mais é preciso apresentar-se... Quase sempre as suspeitas nos inquietam; somos sempre o joguete desses boatos de opinião, que tantas vezes põe em fuga um exército, quanto mais um simples indivíduo. Não sei como, mas as falsidades perturbam-nos desde logo. A verdade traz consigo a sua própria medida; tudo quanto se funda sobre uma incerteza, porém, fica entregue à conjectura e às fantasias de um espírito perturbado. É verosímil que uma desgraça venha a produzir-se? Verosimilhança não é verdade. Quantos acontecimentos ocorreram sem que os esperássemos?! Quantos acontecimentos esperados que jamais ocorreram?! Os fracos de espírito forjam falsas ideias: ou é uma expressão ambígua, que só se interpreta em sentido desfavorável, ou é uma ofensa muitas vezes nem cometida que se exagera. Eis como todos esses juízos que se fazem sobre as aparências são enormemente incertos e duvidosos; e não há outra testemunha tão fiel quanto "cada qual sobre si mesmo".
Michel de Montaigne e Séneca
Bonsoir!

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