sábado, 29 de setembro de 2012

O contágio de Tróia


Frequentemente pagamos o mais alto preço por algo que nada deveríamos dar, cuja aquisição, mesmo por oferta, nos custa a liberdade: seríamos donos de nós próprios se não fôssemos possuidores de tais bens. Deves meditar, quer se trate de lucros quer de despesas. Coisas que não quereríamos comprar se em troca devêssemos dar a nossa casa, ou uma quinta de recreio, ou de rendimento, mas estamos inteiramente dispostos a obtê-las a troco de ansiedades e de perigos, sacrificando a honra, a liberdade, o tempo; enquanto consideramos gratuito o que pagamos com a nossa própria pessoa. «Este objeto vai estragar-se». Ora, é uma coisa exterior; tão facilmente passarás sem ela como passaste antes de a ter. Se tiveste esse objeto durante bastante tempo, iria perde-lo depois de saciado; se pouco tempo, perde-lo antes de te habituares a ele. «Ganharás menos dinheiro». E menos preocupações, também. «Será menor o teu crédito». Igualmente menor a inveja. Quem sabe ter o domínio/ ser dono de si próprio, não tem a perder. Atenta a todos esses 'pretensos bens' que nos dão a volta ao juízo e cuja perda nos ocasiona imensas lágrimas: verás que não somos afetados por nenhum prejuízo autêntico, mas apenas pela ideia de um prejuízo. É uma perda que não sentimos, apenas imaginamos. Para não falar das ilusões mais comuns, e talvez mais vigorosas, que a vontade tem preparadas em qualquer instante e só estraga-lhes o convívio. O que realmente depende de nós são os nossos juízos, as nossas tendências, os nossos desejos, as nossas aversões, enfim, todo o nosso foro íntimo. O restante de tí, pode-se adquirir por contágio ou pelo cartão. 

'Mais água! Mais água! Sua ambição está seca' ... /Tróilo e Cressida (1601-1602) - Ato II - Cena III.


" O valor não depende de uma vontade particular. Fazer o culto maior do que o deus, é louca idolatria e a paixão delira quando atribui qualidades de que é fanática a um objeto que não tem nem sombra deste mérito apreciado."/ Heitor

Nota: Heitor, príncipe troiano, discute com seu irmão, Tróilo, se devem ou não aceitar a proposta dos gregos para que entreguem Helena e tudo será esquecido. Heitor é a favor, Tróilo contra.

Bonjour!


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