quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A memória

"O patrimônio do silêncio. Os livros acumulam-se pela casa. Cobrem as paredes, enchem as prateleiras dos armários. Aguardam-nos calados, com suas páginas apertadas, onde o pó e a humidade se infiltram. Disciplinados, exibem apenas o seu dorso curvo, coberto de pele, ou então magro, estreito, de papel. A memória é um silêncio que espera..." 
[Ana Hatherly, in 'Tisanas']
"Os amantes arrependem-se do bem que fizeram, quando o seu desejo já se exinguiu, ao passo que aqueles que não têm amor nunca tiveram a oportunidade de se arrepender; pois não é sob o jugo da paixão, mas voluntariamente, e conduzindo bem os seus interesses, sem ultrapassar os limites dos seus próprios recursos, que eles fazem bem ao amigo. 
Além disso, os amantes repassam na mente os danos que o amor lhes causou nos negócios e as liberalidades que eles fizeram, e, acrescentando a isso a dor que sentiram, julgam que há muito tempo que têm vindo a pagar o preço dos favores obtidos. 
Já aqueles que 'não estão apaixonados' não podem nem usar como pretexto os seus negócios negligenciados, por causa do amor, nem alegar as intrigas dos familiares, de modo que, isentos de todos esses aborrecimentos, eles só têm que se empenhar em fazer tudo o que acham que deve agradar ao seu bem-amado..." 
[Platão, in 'Fedro' /Amor sem amar!]
"A minha mala estava meio feita em cima da cômoda do hotel, onde a tinha deixado quando saí às pressas... Uma luz a piscar no telefone indicava que eu tinha uma mensagem. Mas ainda não sabia de quem e nem porque eu mal entrei no quarto, e tinha ido sentar-me à minúscula escrivaninha junto à janela que dava para o trânsito... e novamente, em papel timbrado do hotel, ia escrever o mais rapidamente possível um diálogo com Jamie, que nunca tinha acontecido. 
O meu caderno de tarefas registrava o que eu fazia e o que tinha de fazer como auxiliar de uma memória claudicante! 
Esta cena de diálogo "nunca pronunciado" registrava o que "não tinha acontecido" e não era auxiliar de nada, não aliviava nada, não levava a nada, e no entanto, tal como na noite das eleições, tinha achado extremamente necessário escrevê-lo no momento em que entrei no quarto, porque as conversas que "ela e eu não temos", são ainda mais pungentes do que "as que temos", e "ela imaginária" é mais viva no centro de sua personagem do que "ela real" alguma vez será..."
[Philip Roth/ O Fantasma Sai de Cena- Editora Dom Quixote]

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails