sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Palavra

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. 
Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso... a palavra foi feita para dizer."
[Graciliano Ramos/ entrevista concedida em 1948] A palavra! A palavra impressa no papel - a palavra não lida - assemelha-se a um germe latente, à espera de sua hora. Escreve-se na esperança de que alguém se contagie pelo lido, pelo impresso. É como se as palavras fossem poros por onde vidas humanas diversas pudessem se comunicar. É na vida - vida de cada um - que a palavra ganha sentido. Abre-se o livro e surge a palavra escrita. Grita-se e ouve-se, surge a palavra falada.
A palavra é, assim, abstração de realidade muito mais complexa - não as frases, sentenças, parágrafos, contextos escritos ou falados, mas realidade que se confunde com as coisas, pensamentos, sentimentos, humores. A palavra faz parte de toda uma experiência, postura, sabor de vida. E a grande dificuldade nossa é, justamente, analisar esse enorme emaranhado de sentidos em que ela habita. Há palavras que não podem ser ditas em certas situações, ficam proibidas, e em outras, até são toleradas. Essa carga emocional, à qual estão aderidas, é responsável por muito dos problemas "intelectuais", que têm a sua origem muito mais na "falta de discriminação afetiva do que intelectual". Essa experiência da vida, já chamada, há muito, de SABEDORIA, constitui a estrutura saborosa da vida. Há várias palavras para designar essa estrutura, cada uma realça um de seus aspectos: têmpera, disposição, atitude, humor, postura.  Diz Ortega: "A vida é angústia e entusiasmo, delícia e amargura, e inumeráveis outras coisas." Bonjour! :)

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