sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Cortinas brancas nas vidraças

"Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, por só ter tido carinhos, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. E eu ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia, se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o 'magnificat' que entoa às cegas sobre o que não se sabe, nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu e nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala."
[Clarice Lispector, in "Felicidade Clandestina"]

"Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza?"


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