segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A memória de todos os lugares

Entristeci enquanto olhava através da janela do meu quarto. Lá ao fundo, estava a igreja, o adro, e as casas que rodeavam o adro, mas eu não via esse desenho, eu apenas olhava na sua direção. Se tocaram os sinos na torre da igreja, eu não os ouvi. Mais perto, por baixo da janela, estava a tapada. Isso é algo que sei agora, teoricamente, porque, na altura, eu não olhava sequer para a tapada, o meu olhar sobrevoava-a e lançava-se numa indefinição, explodia talvez. 
Eu tinha entristecido subitamente, mas parecia-me que tinha sido devagar. Tudo me parecia lento, as cores dissolviam-se umas nas outras, os sons entornavam-se uns para dentro dos outros. Não tinha nenhum motivo para a tristeza. Com meio raciocínio chegaria a essa conclusão, mas evitava-o porque não queria perder o sabor daquela tristeza branda, feita de sons e imagens que existiam num lugar muito distante, onde eu nunca tinha estado, mas que recordava, como a memória de todos os lugares que me esperavam. Alguns onde, agora, já fui, e todos aqueles onde ainda irei.


José Luís Peixoto / Rimbaud

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