terça-feira, 23 de outubro de 2012

Que a complacência seja farta de urbanidades

Quais são os limites e, por assim dizer, os termos da amizade? 
(1): que sejamos para os nossos amigos, assim como somos para nós mesmos? (2): que a nossa afeição por eles seja tal e qual à que eles têm por nós? (3): que estimemos os nossos amigos, assim como eles se estimam a si mesmos?  Não posso concordar com nenhuma destas três máximas. 
Porque (1), que cada um tenha para com o seu amigo a mesma afeição e vontade que tem para si, é falsa. De fato, quantas coisas fazemos pelos nossos amigos, que jamais faríamos para nós! Quantas vezes um homem de bem abandona a defesa dos seus interesses e os sacrifica, em seu próprio detrimento, para servir os de seu amigo! 
Porque (2), define a amizade por uma medida igual entre amor e bons serviços. É fazer da amizade uma ideia bem limitada e mesquinha, sujeitá-la, assim, a um balanço entre a despesa e a receita, quando na verdade, uma amizade verdadeira não calcula nem com exatidão nem com medo de oferecer mais do que recebeu. 
Porque (3), e a mais perniciosa de todas, quer que se estime ao amigo tanto quanto se estima a si mesmo. Mas há bom número de pessoas, cuja alma tímida ou desalentada, não sentindo-se muito bem, não ousa aspirar melhor sorte. Serão, então, os amigos obrigados a pensar como eles, ou deverão, ao contrário, esforçarem-se por encorajá-los, sugerindo outras esperanças e pensamentos? 
É necessário prescrever outros limites para as amizades. A amizade penetra nos menores detalhes da nossa vida, o que torna muito frequentes as ocasiões de ofensas e melindres. A única ocasião em que não devemos deixar de ofender um amigo, é quando se trata de lhe dizer a verdade, apenas a verdade, e lhe provar, assim, a nossa fidelidade. Mas nem tudo é perfeito, e ao invés dele se encolerizar de haver agido mal, ele se encoleriza de ser repreendido. 


Bonjour and Prrrum...

Marcus Cícero 

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