[Sturm und drang - Arthur Cravan -Tempestade e Ímpeto!]
"Uma mudança de voltagem, um curto-circuito vem surtir efeito no século XIX com os chamados "Poetas Malditos", vagabundos da imaginação, com suas ousadias existenciais em que os conceitos passam à ação poética. Na França, são referência: Gerard de Nerval, Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, que marcam o início da poesia moderna. E se os românticos "especularam", os malditos "rondaram" o abismo, unindo-os uma vontade de mudar a vida através da poesia, poetizar o mundo, desprezando o senso comum e a banalidade hipócrita da sociedade.
No começo do século XX, a crise do positivismo, a primeira guerra mundial e o surgimento da psicanálise se conjugam para levar a uma nova discussão dos valores fundadores do ser. O binarismo ruína x substituição conduzirá à revolta, à insubordinação, ao niilismo, ao excesso na vida como na morte. A definição estética dessa crise ficará conhecida pelo nome de Vanguarda, Dada, Surrealismo.
[Arthur Collegian]
Surge, assim, o jovem suíço Arthur Cravan como o precursor do Dada. E como o Surrealismo é uma dissidência dadaísta, igualmente o seu antecipador. Isso porque a mentalidade das vanguardas ficou presa à elaboração de manifestos, como o do futurismo (1909) por exemplo, mas prefere-se repetir que Cravan pavimentou o caminho de Tristan Tzara, do que admitir simplesmente que o Dadaísmo na verdade surgiu com ele. "A glória é um escândalo", proclamava ele, "Eu não desejo ser civilizado"...
Seus contemporâneos nunca se cansaram de descrever sua personalidade e o seu comportamento, como Blaise Cendrars, Marcel Duchamp, Francis Picabia; sua pessoa ocupou exaustivamente a mente de seus inimigos André Gide, Robert Delaunay, Guillaume Apollinaire e Marie Laurencin, que reclamavam das páginas da revista que ele criara, a "Maintenant", onde publicava seus poemas e artigos sob vários pseudônimos, e outras publicações dadaístas anterior à primeira guerra.
Arthur Cravan é o pseudônimo de Fabian Avenarius Lloyd, nascido em Lausanne, em 1887 e filho de ingleses; conheceu os Estados Unidos, Berlim e quando se transfere a Paris passa a usar esse nome, entre outros. Ainda escreveu haver bebido com seu tio Oscar Wilde em 23 de março de 1913 – mas como se sabe, o escritor inglês morrera em 1900. Segundo seus amigos, conhecer Arthur Cravan seria o equivalente a encontrar Poe ou Maupassant, Verlaine ou Musset, Whitman ou Swinburne; era descrito como uma "alta forma de gênio" com tendência às formas de transgressão. Segundo André Breton, a vida de Cravan é o melhor barômetro para medir o impacto da vanguarda entre 1912/1917, já que costuma-se datar sua morte ao final de 1918, presumidamente afogado no golfo do México, mas não há disso qualquer certeza.
Em carta de março de 1912 à sua mãe Nellie, Arthur Cravan/ou Fabien Loyd, lhe dissera estar pronto a tudo para se fazer conhecido; a esse tempo o primeiro número de sua revista "Maintenant" também estava pronto para sair; Cravan tem por estratégia "se fazer passar por morto" e publicar um livro como obra póstuma. Os dadaístas de Paris também recorrerão ao escândalo para se fazer conhecer: Francis Picabia utilizará a primeira página da “Comoedia” como porta-voz de suas idéias e já os futuristas faziam suas leituras públicas de manifestos. As conferências de Cravan, em Paris, contudo, buscavam a provocação pela provocação e esta foi a sua marca. Cravan conclui,portanto, que uma revista não era o suficiente: era preciso ir à rua e tomar de assalto os teatros na luta artística. Era comum o surgimento de revistas naquela época em Paris, como a anarquista "L’Actio d’Art", adeptos de Nietzsche e inimigos da 'vida estúpida'; "Vers et Prose", de Paul Fort, e a "Les soirées de Paris", de Apollinaire.
E então, no outono, o poeta é considerado desaparecido no golfo do México, país de onde não parecia querer se afastar para residir com a esposa grávida Mina Loy em Buenos Aires. Desaparecido em 1918, deixa uma filha, Fabienne Benedict. Teria ele "se feito passar por morto" como em seu projeto de juventude? Cravan não se prendeu a um nome, a uma só identidade, uma só profissão, um só país...
Em seu livro recente "Arthur Cravan não morreu afogado", publicado pelas Edições Grasset & Fasquelle (2006), o romancista e crítico de arte francês Philipe Dagen, ficcionaliza as suas memórias em trajeto múltiplo, intenso e desordenado, na ânsia de escapar de si mesmo, que o faz reinventar uma vida verdadeira e secreta, o diário de um fantasma..."
[Lucila Nogueira (Brasil,1950). Poeta, ensaísta, contista, tradutora.]
Saudações!