quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Alegria que estais em mim

O texto tem-me acompanhado no último ano: chama-se em alemão "Trauer und Melancholie" e foi publicado por Freud em 1916. Para compreender este ensaio é preciso ter em atenção que Freud utiliza as duas palavras-chave em sentido diferente do habitual. Assim, "luto" aqui não designa apenas o sentimento de pesar pela morte de alguém, mas o sentimento de perda de qualquer "objeto", real ou imaginado (uma pessoa, um tempo, um lugar, uma ideia). De igual modo, "melancolia" não é uma tristeza benigna mas equivale aqui ao conceito de "depressão". E a questão é a seguinte: como é que se passa (e como se evita passar) do luto à melancolia? Ou dito de outro modo: da tristeza (normal) à depressão (patológica)? Freud sugere que a passagem do normal para o patológico acontece por dois motivos: "um fracasso e um desvio". O sujeito "não consegue" desligar-se emocionalmente do objecto que perdeu, isto é, não faz o "luto completo", e a dado momento desvia o sentimento que tinha sobre o objecto, em direcção a si mesmo. É como se o sujeito perdesse não o objecto mas o seu "eu". Ele identifica o ego com o objecto e, uma vez derrubada a barreira da auto-estima, ataca o ego como se atacasse o objecto perdido. Cada lamento é uma acusação, cada acto masoquista uma raiva externa reprimida.  Um exemplo clássico deste personagem, é Hamlet, o doce príncipe condenado à sua irresolúvel angústia e aos seus inúteis teatros. Freud não considera que a melancolia seja totalmente negativa. É verdade que ela causa grande sofrimento ao sujeito, mas é uma espécie de "porta para a verdade". A melancolia, dada a sua "natureza introspectiva", ajuda ao auto-conhecimento.  Freud comenta com ironia que, às vezes, é preciso ficarmos doentes para nos conhecermos. Não é que as idéias do melancólico sobre si e sobre o mundo estejam "certas". Isso não importa: o que importa é representação que ele faz de si e do mundo. É porque existe essa representação que se pode atuar sobre ela. E nem é preciso que seja no contexto médico. Todos os melancólicos fazem gradual e periodicamente uma complicadíssima verificação para saberem se se querem separar ou não do objecto morto (uma pessoa, um tempo, um lugar, uma idéia).  Curiosamente, é a própria experiência da melancolia que "desobscurece" o que estava oculto, o que permanecia ambíguo e ambivalente. Freud explica isso numa formulação muito bonita: "o amor, ao refugiar-se no ego, escapou à extinção. E um dia, com o tempo, sai desse turbulento refúgio. E então, o sujeito que sofre, tornou-se um sujeito consciente... [De Pedro Mexia/ com imagem de meu outro querido Pedro, o Moreira!] "E se esses ontens fossem devorar os nossos belos amanhãs?" [Paul Verlaine] No ser humano, basta muito pouco para provocá-lo. Uma coisa de nada, um pouco de álcool no sangue, excesso de oxigênio, a cólera, o cansaço... Mas este estado é interessante na medida em que é orientável. Trata-se de um balanço, mas esse lança mão das regiões desconhecidas do nosso espírito. De facto, não há fundamentalmente nenhuma diferença, entre um homem intoxicado pelo álcool e um santo que se entregue ao êxtase. E no entanto há, apesar de tudo, uma diferença: a da interpretação. O momento de loucura é preparado por uma etapa onde o assunto é mergulhado numa espécie de "vacilação da consciência", de "excitação cerebral violenta". É esse momento que fabrica verdadeiramente o êxtase e lhe dá o sentido. Enquanto o êxtase em si mesmo "é cego". É o vazio total, sem ascensão nem queda. E é por isso que no momento crucial do êxtase, o santo e o intoxicado são semelhantes... estão no mesmo local... habitam o mesmo vazio! "O destempero é o maior substituto do argumento... e a sua função é fazer o melhor se parecer sempre pior, a fim de se obter mais estimas!"
Bonjour!

Um comentário:

Guilherme Miani disse...

Perfeito!!! Super instrutivo e passível de muitas reflexões!!! Amo o que escreves, minha linda!!

Bjos

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails