terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

As armadilhas

"Os convencidos da vida. Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes, sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear!
Mas também "os aturo por escrito". No livro, no blog, no rascunho, no jornal. 
Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua "excelência", da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.
Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um "espelhismo lisonjeador". 
Além de espectadores, o convencido precisa de "irmãos-em-convencimento". Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
No corre-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na família, na política, no jornalismo, nas rodas de amigos. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.
Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajetória, o convencido da vida farta-se de cometer "gaffes". Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das gaffes, além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um "parvenu", a pior das gaffes é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.
Daí que não seja tão raro, como isso, ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a "refaire surface". Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi."
Bonjour!
[Alexandre O'Neill, in "Uma Coisa em Forma de Assim"]

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