sábado, 28 de fevereiro de 2009

Miséria tolhida

"O artista, o poeta, o escritor, os que perguntam: todos são caçadores de simulacros, incansáveis calculadores de improbabilidades. Pombas ou abutres, frágeis canários ou escondidos melros, raspam, rasgam, rompem, sempre roendo as suas próprias garras. O invisível que há neles então emerge..." [Ana Hatherly, in Simulacros"] "Como ter idéias sem o calor do desejo para elas? Desce sobre ti a mortalidade fria. Que significa haver novas idéias com o sangue quente que nas outras já arrefeceu. Tens, quando muito, a longínqua memória delas. São idéias que já não fazem mover aquele de ti, que nelas tinha o seu sangue, com que eras vivo. Uma idéia começa no teu sistema muscular, de muitos graus centígrados, e morre na pele engelhada da tua múmia. Entre os dois ela não mudou senão no que, de ti, arrefeceu. Tens ao menos alguma idéia ainda viva na memória? Mete-a numa botija e vê se amornas com a sua tepidez a tua miséria tolhida..." [Vergílio Ferreira, in 'Escrever']

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