quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O tolo e o poeta

"Somos uma turba e ninguém: um ninguém que vive, porque é sangue e carne, e existe porque é esqueleto ou pedra; e uma turba da espectros que nos acompanha desde a Origem, e é a nossa mesma pessoa multiplicada em mil tendências incoerentes, forças contraditórias, em vários sentidos ignotos... 
E lá vamos, a tactear as trevas, ladeando, avançando, recuando, como pobres jumentos aflitos e às escuras, sob as esporas que o espicaçam para a frente e as rédeas que o puxam para trás. 
Pobres jumentos aflitos e às escuras! Escouceiam, orneiam, levantam a garupa. De que serve? As patas ferem o ar e aquela voz de soluços, que faz rir, não chega ao céu. 
Deus, criando as almas, condenou-as à suprema solidão. Algumas iludem a pena. Imaginam conviver com as árvores e os penedos. Falam às árvores e aos penedos, queixando-se dos seus desgostos. (...) Somos uma turba e ninguém. Somos Deus e o Demónio, o Céu e a Terra e outras letras grandes... e Ninguém. "
[Teixeira de Pascoaes¹, in 'O Pobre Tolo']
"A existência não cabe numa balança ou entre os ponteiros dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O pesado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes. 
A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Nem é sólida, nem líquida, nem gasosa, nem electromagnética, palavras com o mesmo significado nulo. Foge a todos os cálculos e a todos os olhos de vidro, por mais longe que eles vejam, ou se trate dum núcleo atómico perdido no infinitamente pequeno, ou da nebulosa Andrómeda, a seiscentos mil anos de luz da minha aldeia! 
A essência das coisas, essa verdade oculta na mentira, é de natureza poética e não científica. Aparece ao luar da inspiração e não à claridade fria da razão. Esta apenas descobre um simples jogo de forças repetido ou modificado lentamente, gestos insubstanciais, formas ocas, a casca de um fruto proibido. 
Mas o miolo é do poeta. Só ele saboreia a vida até ao mais íntimo do seu gosto amargoso, e se embrenha nela até ao mais profundo das suas sensações e sentimentos. É o ser interior a tudo. Para ele, a realidade não é um conceito abstracto, idéia pura, imagem linear; é uma concepção essencial, imagem hipostasiada, possuída em alma e corpo, nupcialmente, dramaticamente, à São Paulo ou Shakespeare." 
[Teixeira de Pascoaes², in 'O Homem Universal']

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi!
Eu de novo!
gostei muito do seu post!
Não sei se você se importa, mas falamos sobre seu blog no nosso!
passa lá e olha!
Bjs

Ezequiel
Já Vi Melhores Corporation

Foquinha! disse...

Meninos, adorei, obrigada pela recepção e o carinho todo, me sinto homenageada, mas foi bastante recíproco, adorei o humor e o carisma de vcs, a partir de agora, seremos "vizinhos-próximos-corporation"! Beijos!

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