Bonjour!
segunda-feira, 16 de março de 2009
O simples vive como respira
"À humildade às vezes falta simplicidade, por causa dessa duplicação de si para si que ela supõe. Julgar-se é levar-se a sério demais. O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo.
Porque se aceita como é? Já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes — pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão.
Ele é como os passarinhos de nossa floresta, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. O real basta ao real, e essa simplicidade é o próprio real. Assim é o simples: um indivíduo real, reduzido à sua expressão mais simples. O canto? O canto, às vezes; o silêncio, mais frequentemente; a vida, sempre.
O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara. É o contrário da literatura: é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero, sem grandiloquência. É a vida insignificante, a verdadeira vida.
A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade, da pretensão. Por isso é tão difícil. Não é sempre dupla a consciência, que só é consciência de alguma coisa? Não é sempre complexo o real, que só é real pelo entrelaçamento em si das causas e das funções? Não é sempre pretensioso todo homem, assim que se esforça para pensar? Que outra simplicidade além da tolice? da inconsciência? do nada?
O homem simples pode não fazer essas indagações. O que não as anula, nem nos basta para resolvê-las. Simplicidade não é simploriedade..."
[André Comte-Sponville, in "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes"]
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